Geomar Alves da Cunha

Geomar Alves da Cunha

Somado à grande admiração honrosa que tenho ao Poeta Maranga, certamente, foi o convívio em sodalício, o empuxo no remanso dos deuses onde cultuamos as letras, o responsável que aqui esteja eu, em prefácio, umbrívago de sua obra.
No panorama Utero-poético brasileiro, Geomar Alves da Cunha, forçosamente, será considerado um inovador, perfeitamente enquadrado na ascepção de Ezra Pound: criou uma mecânica engenhosa de técnica literária onde um conto básico se desdobra em muitos outros e a poesia flui núma interligação inteligente, onde as palavras são insubstituveis e a progressão semântica é fruto de um racionalismo obstinado, de marcante analogia ao grande médico que é, poetando naturalmente, até mesmo na prosa, como se cruzasse caminho ao estilo wildeano, não lhe faltando metáforas já nas primeiras páginas, sublimando-o a um Hefestos, o virtuoso ferreiro burilando sua obra, como na trimilenar ilhada.
São essas primeiras páginas apresentadoras de Luciber e Lúcia, personagens centrais de toda a obra, preparadoras da troca poética e contista entre eles, dando volume à narrativa, e, com a separação, despetala-se a primeira poesia: “Sem Você”, seguindo-se reflexões filosóficas de Lucíber, ressumando conhecimentos profundos do cotidiano, nem sempre perceb1veis no debulhar dos anos. . . navegando no orientalismo de conceitos repassados pelos séculos, de Siddhartha Gautama, passando por Gibran, indo ao pacifismo de Gandhi, martelando-o em bigorna imaginária sua convicção de eternidade dos seres, nossa vida de milhares de anos nos corpos daqueles que nos antecederam, a passagem da vida, geneticamente, de pai para filho, a transformação de um em outro tipo de matéria e energia, sendo seus exemplos no campo vegetal, os mais convincentes. Nesse tema, surge o concentrador do conceito vida; o poema Lúcia.
E sobre a vida, espraiou-se o Poeta em admirável poema, acolhedor de toda a prosa anteriormente exposada, descompromissando-se das rimas, não se valendo do soneto, que muitos poetas comparam a brevidade da vida ao laconismo sonetista. Para ele, a brevidade da vida é parte de um segmento que, em somat6rio, chega-se a infinita eternidade, pouco importando que o soneto “sans défauts”, equivala, como sentenciou Boileau, em seus conhecidos alexandrinós. Debruçando-se sobre a vida, nosso Poeta solta o canto de seu estro, grandeloqüentemente, o muito de poesia até então estanques em sua privilegiada inteligência.
A estréia do conto é feita de maneira compacta, com o casal Mariazinha e Caxangá, vivendo em Pixiúba. Dele, porém, surgem duas poesias: Caxangá e Meu Sertão. No primeiro, encaixa o conto pelo prisma riqufssimo de nosso folclore e no segundo, a sertanidade, revelando-se extremamente hábil o metro redondilhesco dos cantadores ao fazer sua poesia de alto poder descritivo, um retorno à rima de escol. Poetizaçáo à natureza, extravazando sentimento, amor à terra e à gente, seus costumes, modismos, expressões em seu linguajar típico, tal qual Euclides da Cunha, nos parâmetros da poesia e o científico, não desdenho! alinhar, lado a lado, o poético e os vocábulos e expressões de nosso caboclo.
Resvala-se à levesa e graciosidade da Anacreontica; do amor petrarqueano, com a solidão de Luciber sufocada pelo fogo abrazador da Túnica de Dejanira; da antiguidade clássica e oriental, do amor-paixão e do erótico. Nova carta e eis-nos uma jóia da rima fina: ” Pobre Menino”, transportando-nos à felicidade dos campos, das verdes matas viventes por teimosia, aos rios e suas belas cascatas, às nossas fazendas típicas de antanho, mais precisamente a uma encravada nos sertões paduanos de Marangatu em que o menino Geomar foi criado, em ancestral vivenda construfda em 1875, ainda ao tempo da escravatura.
Que contundente retorno poético à felicidade existente na pobreza, aos parcos recursos na imensidão de tristes soluços, à agonia de terríveis frustrações. . . só mesmo a grandeza de um poeta, verdadeiramente poeta, poderia arrancar reminiscências tão doridas, do fundo mais recôndito e poetar doiradamente; “que bom seria, se eu pudesse voltar . . . ser outra vez o que fui . . .” É simplesmente airoso.
O cenário campestre ganha novos matizes com Luciber indo à procura de Lúcia, em Pixiúba. Do desencontro, a passagem do Natal em casa tosca de caboclos, os fluidos religiosos dessa noite mágica traz-nos: “Eu sou de Nazaré”, com o autor guiando-nos aos contos indianistas, com Katavi, o último guerreiro dos Kariangas, brotando uma poesia forte, ode aos nativos de nossas plagas, o “garatujar das azagáias escurecendo o céu”, aos Calangos, que tanto enriqueceram nosso folclore, sonetando com “Noite Enluarada, Acorda, Mata”, rendilhando o desenvolvimento da narrativa, o canto e dança de invocação a Serpente Negra, onde nos deliciamos com aventura no melhor estilo “spielberguiano”, sem afastamento de nossas raizes, tudo esplendorosamente nosso.
E por ser tipicamente nosso, não poderia o escritor-poeta Geomar Alves da Cunha deixar de intercalar jóias como “Eu vim de lá”, desnudando seu lado de apurado humanista, indo fundo à sociologia da sofrida gente de nosso sertão, “trazendo o cheiro do chão”, bem dentro da doutrina “homo hominis lupus” exposada por Hobbes e que, em vez do supérfluo dos ricos servir para mitigar a fome dos pobres é exatamente o necessário deles que serve para formar o supérfluo dos abastados.
Ao sorver este coquetel de inspiração lítero-poética, fórmula da alquimia criativa do confrade Geomar, juntamo-nos ao seu talento para a conclusão que “o nada é a essência do tudo. Por conseguinte, o nada é o tudo e o tudo é cada fragmento do nada”. Difícil é saber-se, se o contista inspi¬rou o poeta ou se o vate é que inspirou o contista. O certo é que tal soma deu à nossa literatura uma grande obra: “SERPENTE NEGRA”.Sebastião Kleber da Rocha Leite,
jurista, historiador, Jornalista e
membro da Academia

MÃE

Será que fui um bom filho, e, sou?
Será que chorei quando você chorou, Por mim, aflita, triste, angustiada? Eu não sabia, mãe. Eu era inocente E perturbei sualmae sua mente,
Nas noites de insônia, adentrando
a madrugada.
Depois, eu cresci. Para você continuei Menino bom. Arteiro, levado; eu sei. Filho não tem defeito. É bom menino, Em todos os dias de sua vida,
Na ilusão infinda e perdida,
Da caminhada tortuosa do destino.
Mãe, fiz você derramar seu pranto, Cabisbaixa, tristonha pelos cantos
De nossa casa, interrompendo um sorriso De felicidade que antes lhe causei. Depois que a vi chorando, também chorei, Envoltos no sofrer do seu paraiso.
Você me perdoou. Eu não lhe pedi perdão.
Seu braço estendeu sobre mim. Sua mão Retirou-me a culpa que você não aceitava, Preferindo, sempre, acreditar na minha inocência. . . Que bom, minha mãe, esta essência
Que toma a nossa vida toda perdoada.
Hoje estamos em festa, no seu dia,
Pensando, com saudades na sua alegria,
De nos ver bnncando, nas nossas quebradas.