Quando eu era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.
Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.
Por sorte,
1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou professores desavisados;
2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas;
3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?
Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda:
1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta;
2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.
Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida -que ainda não chegou ou que já passou.
Então, o que é a alegria?
Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.
Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?
Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.
Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (ansiolíticos e psicotrópicos).
Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.
Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.
É óbvio que não consegui explicar o que é a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados.
Segundo Max Weber, a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.
Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.
Dr. Vitor Andrade
Mestre pela UFRJ / USD ( Asunción )
Doutorando pela UFRJ e fazendo Ph.D pela UBA ( Buenos Aires )
Pós graduado pela Universidade Cândido Mendes em:
Saúde Mental, Psicanálise, Psiquiatria, Neuro Psicologia, Geriatria, Psicologia Organizacional, MBA Gestão de Pessoas/Coaching, MBA Executivo em Coaching, Docência no Ensino Superior
Especialista pela Unifesp e Sociedade Interamericana de Hipnose: Hipnose Clínica, Especialista em Tratamento da Obesidade, Especialista em Balão Gástrico Hipnótico, Especialista em Tratamento de Âncoras, Especialista em Tratamento de Programação Neuro Linguistica ( PNL), Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Unifesp: Especialista em tratamento de álcool e outras drogas
Escritor dos Livros: A Medicalização das Emoções, Por Tudo Que Eu Escrevo…, TDAH
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