Nélio da TV – Morava no Campo Semente. Naqueles tempos não existia ainda TV no município, então os jovens iam para Praça na frente da Igreja Católica, e ficavam dando voltas ao redor, paquerando as meninas, até na hora de ir para o cinema. Com a chegada da grande novidade de então, os aparelhos de televisão, aconteceu uma mudança radical, pois os pais passaram a preferir que suas filhas ficassem dentro de casa, assistindo a programação. Assim, os meninos ficaram sem as meninas, para paquerar. Foi bem desagradável (risos).
Nova Voz – Nem no cinema iam?
Nélio da TV – Boa parte das pessoas não ia mais ao cinema. Isso tudo no início dos anos 60. Os que tinham TV deixavam a janela da sala aberta, e aglomerava aquela quantidade de gente na rua, para espiar a programação. Quem ler isso vai até achar engraçado, mas é a pura verdade.
Nova Voz – Quais são as lembranças de sua família?
Nélio da TV – Meu pai foi Manoel Rodrigues Madeira. Nós tínhamos um pequeno sítio, que ficava no Campo Semente, na localidade chamada ‘boinha’. Minha mãe se chamava Josina. Tínhamos uma família típica. O homem era o responsável pelo provimento da alimentação, moradia, vestuário e tudo aquilo relacionado a gastos, e a mulher ficava com o papel de cuidar da casa e educar os filhos. O modo de vida era muito simples, mas fantástico. As aventuras no meio do mato, pescar e tomar banho no rio Paraíba, ainda sem poluição. Colher frutas frescas no pé. Éramos três irmãs e cinco irmãos.
Nova Voz – O senhor acha a infância e a adolescência daquela época melhor do que hoje?
Nélio da TV – É tão diferente, que até para comparar, fica difícil. Claro que atualmente todas as casas são mais confortáveis. Mesmo as humildes, são cheias de aparelhos eletro eletrônicos, televisores, geladeiras, máquina de lavar roupas. As crianças têm escola e o serviço de saúde pública é infinitamente melhor. Só para o leitor ter uma idéia, minha casa da infância não tinha nem luz elétrica. Porém nos divertíamos muito mais. Essa coisa de ficar jogando vídeo game ou batendo papo no computador, é moderno. Sei disso. Mas coisa boa era jogar bola descalço, fazer as peraltices de criança, aprender a admirar a luz do luar, a respeitar o som do trovão e temer os raios que caiam do céu. Ouvir as histórias dos mais velhos, numa roda com café e bolos diversos. Então, eu escolho a minha infância, mas respeito quem pensar o contrário.
Surge o Nélio da TV
Nova Voz – Como o senhor começou a trabalhar com consertos de aparelhos elétricos e eletrônicos?
Nélio da TV – Que bom ter a oportunidade de contar minha história. Como já disse, minha infância foi muito simples. Para os leitores terem uma idéia, só consegui terminar o que se chama atualmente de ensino fundamental, aos 28 anos. Já era até casado. Mas desde criança tinha uma baita curiosidade sobre as coisas ao meu redor. Aprendi a amarrar as pontas de um barbante em copos, para simular telefones. Veja, fazia isso, na época que nem podíamos imaginar ter telefones em casa.
Nova Voz – Então sua paixão pela eletrônica é coisa de infância?
Nélio da TV – Exatamente. Numa noite, ouvi no meu radio de pilhas, sobre o Instituto Universal Brasileiro, que antigamente prestava cursos por correspondência. Existia um curso de Técnico em Eletrônica. Foi como se Deus tivesse me mostrado o caminho. Era o ano de 1965. Infelizmente, muita gente deu opinião contrária. Falavam que ia perder meu tempo e até que estava maluco. Porém meu coração dizia o contrário. Com muita dificuldade consegui o dinheiro para me matricular e comprar as apostilas, que vinham pelo correio. Tive que pegar dinheiro emprestado, pois era comum os salários atrasarem 4 ou 5 meses.
Nova Voz – Foi uma grande conquista.
Nélio da TV – Durante 18 meses eu estudei com afinco. Muitas vezes minha esposa dormia, com minha filha mais velha ao lado, e eu virava a noite na luz da lamparina, estudando. Quando tinha dúvida escrevia uma carta para São Paulo e esperava 15 dias pela resposta. Mas consegui. Formei-me Técnico em Eletrônica. Graças a Deus e ao apoio de minha esposa.
Nova Voz – Foi assim que surgiu o Nélio da TV?
Nélio da TV – Depois de concluir o curso, me mudei para Portela e consegui abrir uma portinha lá, aonde consertava aparelhos de rádio e outros equipamentos que davam defeito. Interessante que quem me alugou o imóvel, perguntou de quem eu era filho. Falei que era de Neneco Madeira. Então ele disse: ‘então você é neto de João Madeira. Rapaz sente-se aqui. Pode contar comigo para o que precisar’. Um grande itaocarense, Dr. José Bucker, uma vez me disse que assim como deixamos bens matérias para nossos familiares, deixamos também nosso caráter e integridade. E é verdade. Durante toda vida, busco ensinar esse princípio aos meus filhos.
Nova Voz – Como o senhor veio para Itaocara?
Nélio da TV – Um dia o Olamir Miranda passou de carro e viu minha porta aberta, e eu consertando aparelhos eletrônicos. Então voltou e perguntou se não gostaria de trabalhar com ele. Aquilo foi um presente. Tinha uma teoria boa sobre eletrônica, por vezes desenhava tudo relacionado à Televisão. Mas não tinha prática. Então aquela foi a chance para por em prática tudo o que sabia. Quero até aproveitar esse espaço para agradecer ao Olamir pela oportunidade que me deu, naquele início dos anos 1970.
A empresa própria
Nova Voz – E o Sr. Rezende?
Nélio da TV – Foi um grande ser humano que tive o privilégio de conviver. As Lojas Resende eram líderes de mercado, desde Itaperuna, até Cantagalo e Cordeiro. O maior comércio que Itaocara já teve e um dos maiores da região. Ele confiou em meu trabalho e me deu a oportunidade de por em prática toda minha teoria. Isso me tornou muito conhecido. O pessoal começou a falar do Nélio da TV. Sempre levei meu trabalho muito a sério. Quando o Sr Resende faleceu, resolvi abrir meu próprio negócio e estamos até os dias atuais.
Nova Voz – O início foi difícil?
Nélio da TV – Sinceramente, no meu caso, não foi, pois já tinha conquistado o respeito das pessoas pela responsabilidade que levava meu trabalho. Fiz ainda cursos para trabalhar com marcas diversas, como Philips, Philco, Sharp, CCE, Toshiba e outras. Pude ainda ensinar aos meus filhos a serem zelosos com a profissão que escolhessem. Dos quatro filhos que tive só a Roseli, não trabalhou comigo, pois desde cedo foi aprovada para o magistério, já que era muito estudiosa. Os outros três, a Rosilene, o Ronni e o Robert passaram pela minha eletrônica. A Rosilene trabalha atualmente no SENAC; o Ronni tem sua empresa na área de informática, ramo que ele se identifica bastante, e o Robert me sucedeu na empresa e hoje é quem, de fato, está à frente dos negócios.
Família e Religião
Nova Voz – Em toda essa trajetória, qual é a importância da sua esposa, Dona Maria Teresinha?
Nélio da TV – São 43 anos de casados. Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre senti que Deus foi muito generoso comigo. A maior prova disso é ter posto a Maria Teresinha em minha vida. Afinal de contas, foi com ela que pude ter meus filhos, que me deram netos. Teresinha sempre me apoiou. Mãe super presente na educação dos filhos. Sem dúvidas, uma mulher fantástica. É o meu amor naquele sentido mais exato da palavra.
Nova Voz – Qual a importância de ser pai?
Nélio da TV – Difícil explicar. Já sofri a dor irreparável da perda da minha filha Roseli. Tivemos, eu e a Teresinha, de continuar vivendo, pois temos mais três filhos e netos. Agora sou avô, que é uma felicidade extraordinária. Quando somos pais, muitas vezes estamos numa fase que a vida nos deixa longe do lar, em função de termos que trabalhar. Mas nessa altura do campeonato, já conquistamos nossa estabilidade e temos tempo para dedicar aos netos. Então os momentos mais felizes que temos, eu e minha esposa, estamos ao lado deles, e dos filhos, é claro. Se não falar assim, eles (os filhos) ficam com ciúmes (risos). Então, nesse Dia dos Pais que se aproxima, gostaria de agradecer a minha família pelo amor que me cerca, e dizer que sou muito feliz por estar ao lado deles.
Nova Voz – É importante o Pai dar exemplo?
Nélio da TV – Certamente. Não tem cabimento pregar uma coisa e agir de outra maneira. Penso que somos livres para escolher, mas responsáveis pelas decisões que tomamos. Então podemos ficar solteiros e buscar uma vida sem responsabilidades. Não devemos criticar quem pensa assim. Entretanto, ao escolhermos nos casar, devemos abraçar a decisão de nos dedicarmos a nova família que constituímos. É lamentável ver quem está casado, desrespeitar a própria família.
Nova Voz – Que importância tem a religião na felicidade do ser humano?
Nélio da TV – Para mim religião é necessidade básica. Não tenho a menor dúvida de que o ser humano que sou hoje devo a minha religiosidade. Sempre busquei viver sobre princípios do tipo ‘não fazer com os outros, o que não gostaria que fizessem comigo’. Quem pensa que a religião foi ultrapassada pelo desenvolvimento tecnológico, está totalmente errado. A religião é bem mais importante agora, do que era há 60 anos. Vivemos numa época cujo amor ao próximo e mesmo os princípios éticos, só são ensinados pela religião. Então concluo pedindo aos os leitores, que busquem fornecer uma educação religiosa aos seus filhos.
Fonte: Jornal Nova Voz