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Entrevista com Dona Dirce.

Mãe, Tia, Professora, Comerciante e Itaocarense Apaixonada pela terra
Aos 83 anos, Dona Dirce é uma das mais conhecidas itaocarenses. Nascida na fazenda Barra do Pomba, na época propriedade do Sr. Jovino Lima Pinheiro. Famosa pela comida deliciosa que serve aos clientes e amigos do Hotel Zezé. É lembrada pelos ex-alunos como professora enérgica, mas que tinha sempre uma palavra amiga a oferecer. Por estes motivos a escolhemos para contar um pouco de sua vida e representar as mães do município, nesta edição especial.

Nova Voz – Quais são as principais lembranças da infância?
Dona Dirce – São muitas, a começar pelo meu pai, Moacir Henriques Duarte, um homem maravilhoso, enérgico e compreensivo ao mesmo tempo. Adorava participar de festas. Já de minha mãe, Maria Teresa Duarte, lembro das comidas deliciosas que preparava para nós, seus filhos. Até hoje alguns pratos são feitos na cozinha do Hotel, vindos de receitas de minha mãe. Os irmãos, Elza, Dinah, Monclar, Edilá e Enir, éramos pura união.

Nova Voz – E dos momentos difíceis, quais são as lembranças?
Dona Dirce – Da polineuvrite que meu pai foi acometido, quando eu ainda era criança. Ele ficou sem os movimento das pernas, o que nos levou a ter que trabalhar logo cedo, para que pudéssemos manter as despesas da casa. Começamos então a vender marmitas. Eu e minhas irmãs entregávamos as marmitas aos clientes. O Monclar aprendeu o ofício de alfaiate com seu José Caldeira. Minha irmã, Elza, era muito estudiosa e seguiu o caminho da educação e em 1942 se formou professora. Assim fomos superando as dificuldades. No ano de 1945, já relativamente restabelecidos, compramos a casa que hoje é o Hotel Zezé. Este prédio deve ter quase 100 anos, é uma construção antiga que deveria integrar o patrimônio histórico do município.

Nova Voz – Essa infância fez com que os irmãos fossem mais unidos?
Dona Dirce – Com certeza. Até hoje persiste essa união. Meus sobrinhos são como filhos. Os irmãos, bem mais que irmãos.

Nova Voz – Numa época em que não se valorizava tanto a educação, principalmente das mulheres, seu pai era diferente, por incentivar a senhora e suas irmãs a estudarem, não é mesmo?
Dona Dirce – Meu pai fazia questão que os filhos estudassem e fossem educados. Comecei no Grupo Escolar Saldanha da Gama (onde fica o antigo fórum), fazendo lá até 5° série. Depois tive que parar, pois não possuía condição de freqüentar as escolas de Pádua, Miracema ou ir para o Rio. Porém, em 1947, foi criado o Colégio Itaocara. Édila e Eni estudavam em Cantagalo e vieram transferidas para cá. O Dr. Whagabhi trouxe os cunhados, Roberto, Antonio José (o magro do MPB 4) e o Carlinhos para Itaocara. De Laranjais vieram muitos alunos. Lembro-me que o Sr. Nico Alves (avó do Dr. Paulo Roberto da CEDAE), trouxe a Dionéia e vários outros. Quem também estudava fora e retornou foram a Gladys Caldeira, a Emília Maia e a Marli Rocha, que recordo agora. O Colégio Itaocara começou com todas as séries, graças ao Sr. Juca Rocha, que teve a visão de trazer os itaocarenses de volta para casa.

Nova Voz – Como era a vida social nesta época?
Dona Dirce – Dos tempos de criança, rememoro dos famosos bailes da primavera, que os jovens curtiam numa pureza maravilhosa. Ainda não tinha idade para freqüentar, mas ficava ouvindo as histórias e sonhando com minha vez de ser adolescente. Tínhamos o Clube Malba Tahan e a estação de rádio da praça, onde dávamos a volta escutando música. Coisa que hoje só se vê nos bons filmes do cinema. As conversas entre os jovens e mesmo com os pais eram muito importantes. Ouvíamos histórias que sempre nos ensinavam algo. Ressalto que nessa época áurea foi criado o União Esportivo Itaocarense, do qual sou sócia proprietária e fundadora. Estou entre os 100 primeiros associados. Os carnavais que fazíamos ainda estão na memória daqueles que puderam participar, com bailes lindíssimos no salão principal do clube. Depois fizemos o Bloco e a Escola de Samba Acadêmicos da Aldeia, famosa Vermelha e Branco.

Nova Voz – Como foi o encontro com o seu marido, Florentino?
Dona Dirce – Minha família gostava dele desde os tempos em que eu era menina e ele um jovem. Antes de mim, Florentino já havia sido casado, mas ficou viúvo. Depois que passou o tempo do luto, realmente começou a me procurar. Era até engraçado, pois aonde ia, encontrava com ele. Aposto que não por coincidência. Mas tudo com muito respeito, como era costume da época. No início não quis namorar. Entretanto, no dia 18 de Maio de 1958, não resisti a tanto charme e nos casamos. Ficamos juntos até o ano de 2003, quando Florentino faleceu. Se fui o amor da vida dele, com certeza, ele é o grande amor da minha vida.

Nova Voz – Qual é o segredo de manter um casamento tão longevo assim?
Dona Dirce – Compreensão. Brigar sobre quem está certo e quem está errado, não ajuda em nada. É preciso ter um sentimento maior de que a relação não permite egoísmo, já que duas pessoas passam a ser uma só. Assim é possível manter um casamento de 45 anos.

Nova Voz – O companheiros também é importante?
Dona Dirce – Sim. O Florentino sempre esteve ao meu lado na realização dos meus sonhos. Em 1972, fui fazer faculdade em Nova Friburgo, contando com seu apoio. Quando meu pai mudou-se e nos deixou o Hotel, ele foi meu parceiro. E olha que era funcionário do Ministério do Trabalho, mas mesmo assim trabalhava junto comigo. Um marido realmente maravilhoso, amigo e compreensivo.

Nova Voz – Seus sobrinhos são bem chegados à senhora, não é mesmo?
Dona Dirce – São filhos também. O Monclar, meu irmão, era Oficial de Justiça em Cordeiro e quando a Moncléia nasceu, vieram para Itaocara. Desde essa época estão aqui conosco. Todos sempre me respeitaram e até hoje respeitam. Tenho muito orgulho deles e dos meus filhos, pois são pessoas de bem, que criaram suas famílias com honra e dignidade.

Nova Voz – Falando nisso, e os filhos?
Dona Dirce – O Tadeu nasceu com seis meses e lutou muito, já naqueles primeiro dias, para sobreviver. Não existia essa tecnologia toda de hoje em dia, com incubadoras modernas. Tivemos que mantê-lo no algodão, até que saísse do risco. É um filho que amo e sinto orgulho pela coragem que tem de superar os problemas com altivez e cabeça erguida. Já Thereza quis seguir meus passos e tornou-se professora. É formada ainda em Ciências Sócias, pela faculdade Santa Dorothéa, em Nova Friburgo. Querida pelos alunos e admirada pelos colegas professores. Sua marca principal é a alegria e o modo de receber os outros com coração aberto. E o Pedrinho, que era filho do Florentino e considero como filho, mesmo sabendo que ele tem a mãe dele, a quem respeito e quero todo o bem.

Nova Voz – Quem são as personalidades que senhora mais aprecia e acha que colaboram com a história de Itaocara?
Dona Dirce – Minha admiração vai para todos os professores, que tem uma missão tão especial e por vezes desvalorizados pelos governos e pela própria sociedade. Gente como a professora Jaysa Pinheiro, que tantas e tantas gerações de itaocarense ajudou a formar. A Elza Duarte (minha irmã), professora de música e arte. Dona Inaiá Monteiro de Paiva e Dona Eni Seixas Pires Cortes, que foram diretoras. Estas dos meus tempos iniciais na educação. Depois veio o Professor Nildo Nara, que sucedeu Silvio Freire na Direção do Colégio Itaocara. Dr. José Sabino Catete Silva, um dos maiores itaocarenses. Injustamente pouco lembrado. Foi quem construiu o primeiro prédio do antigo João Brazil (atual Colégio Nildo Nara). Lembro-me que era muito exigente, gostava de tudo certo, mas, ao mesmo tempo, uma pessoa grandiosa, daquelas que tem o coração que não cabe no peito de tanto querer fazer o bem. Meu amigo William Rimes, grande professor, escritor e poeta. O Monsenhor Saraiva que foi professor de Frances e marca Itaocara pela preocupação com o próximo, característica central da sua vida de pároco durante 50 anos no município. José Jorge (Bechara), que tenho o prazer de dizer que foi meu aluno. Alias, o Dr. Alcione Araújo, nosso atual Prefeito, foi meu aluno. Dr. Robério e o José Romar, ex-prefeitos da cidade. O Faria Souto, maior e melhor referencia de muitas gerações, pelo brilhantismo e genialidade, é o grande idealizador da Praça da Matemática, monumento sui generis no Brasil e no Mundo. Meu grande e querido amigo, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, Dr. Alaôr Eduardo Scisínio, que quando discursava até as cotovias deixavam de cantar para ouvi-lo. Outra pessoa queridíssima de Itaocara, o farmacêutico Waltair Sias, verdadeiro cavalheiro, culto e sempre atencioso com quem quer que lhe procure. Quando se fala de farmacêutico, não se pode esquecer-se do Idemarzinho Figueiredo, que naquela época em que não existiam médicos, diversas vezes precisava fazer o papel destes, para aliviar a dor e o sofrimento do povo. O senhor Carlindo Soares, responsável pela disciplina no João Brasil, escola que amava de coração. A Noêmia e o Sebastião Teixeira, que não consigo imaginar pessoas melhores. Além de mestres em português e matemática, sempre se preocuparam com o futuro dos alunos, bem além das notas que estes tiravam nas provas. Todos e outros que não estou citando, gente humilde e grandiosa ao mesmo tempo.

Nova Voz – Nestes anos de vida da senhora, a família mudou muito. No Dia das Mães que se aproxima o que teria a dizer aos leitores?
Dona Dirce – Todas as famílias têm direito de educar os filhos da forma que pensam ser melhor. Mas o amor não pode faltar. Esse amor precisa se manifestar de várias formas. Beijos, abraços, carinhos, com certeza. Mas às vezes demonstramos amor com uma repreensão a um filho ou a um sobrinho, quando fazem algo que não devem. Dizer não ou dar uma palmada, machuca a quem precisa educar, mas nem o pai, nem a mãe, podem abrir mão de mostrar quais são os limites a serem obedecidos, pelo menos quando os filhos são crianças e adolescentes. Ao se tornarem adultos, eles vão reconhecer e contar como foi bom ter sofrido aquela reprimenda.

Nova Voz – Domingo vai ganhar presente de filhos, sobrinhos, netos e etc?
Dona Dirce – Espero que sim (risos). Ter uma família grande tem estas compensações. Ganho muitos abraços e beijos, nas épocas especiais do ano. Nesse Dia das Mães não vai ser diferente. Tenho certeza que estarei recebendo os parabéns de todos e vou retribuir com agradecimento, pois minha família é o grande motivo da felicidade que sinto. Para outras mães, desejo o mesmo e peço a Deus que permita mais do que presentes materiais, que na realidade são efêmeros. Mas os presentes do coração, como as manifestações de amor entre filhos e mães. Feliz Dia das Mães.

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